A palavra “Maracangalha” tem origem incerta, mas a versão mais aceita é que vem da expressão “amarra a cangalha”. Para quem não sabe, “cangalha” é aquela cela rústica que se coloca no lombo dos animais para transportar cargas diversas.
Sobre a frase do título, ela vem da famosa canção de Dorival Caymmi, composta lá pelos idos de 1950 e, segundo dizem, Caymmi se inspirou em um amigo para compor a música. O tal amigo tinha uma amante e, sempre que ia visitar a “filial”, dizia para a “matriz”: eu vou pra Maracangalha! Vamos relembrar um trecho da música, que é bem simples, mas gostosa de se ouvir e cantar, tanto é que fez muito sucesso:
Eu vou pra Maracangalha, eu vou,
Eu vou de liforme branco, eu vou,
Eu vou de chapéu de palha, eu vou,
Eu vou convidar Anália, eu vou,
Se Anália não quiser ir, eu vou só, eu vou só…
Bem, na verdade, a história que pretendo contar e que também envolve o pequeno povoado de Maracangalha, lá no recôncavo baiano, é outra. Vamos aos fatos:
Certa vez fui visitar a empresa Indústrias Romi, em Santa Bárbara D’Oeste (SP), (a mesma que ficou famosa com a produção do minicarro ROMI-ISETTA).
Pois é, quando estava estacionando o carro, no pátio da empresa, ao meu lado também estacionou um fusquinha todo velho e desbotado, caindo aos pedaços, mas o que mais me chamou a atenção nele era a inscrição em seu vidro traseiro. Lá estava escrito em letras “garrafais”:
Ó chenti! Eu sou de Maracangaia, viu!
(Escrito errado mesmo, ó chenti, ao invés de ôxente e Maracangaia, ao invés de Maracangalha).
O sujeito do fusquinha, um baixinho e magricelo de cabelos fartos e despenteados, percebendo o meu interesse pelo carro, perguntou:
— E aí, meu irmão? Quer comprar o carro? Ele está meio gasto por fora, mas por dentro, ainda tá “porreta”!
— Não é isso! – Respondi, meio sem jeito – É que fiquei curioso com a inscrição no vidro.
— Ah! – Respondeu ele, quase gritando e abrindo os braços, todo espalhafatoso – Todo mundo me pergunta isso. É uma história interessante, quer que eu lhe conte?
— Obrigado, mas não posso, – respondi, embora estivesse interessado – já estou “em cima da hora” para uma reunião com a diretoria da empresa.
Despedimo-nos e ele fez questão de estender a mão em cumprimento. Nunca mais vi o sujeito, nem soube do seu paradeiro, mas a sua história não! Vai lendo…
Já na sala de reunião, enquanto aguardava a chegada de um dos diretores, comentei com o Mário, um funcionário da empresa, sobre a história do fusquinha. Ele respondeu na “bucha”:
— Ah! Você está falando do Raimundinho! É gente boa! É um dos nossos fornecedores e, todo mundo por aqui conhece a história dele.
No entanto, a reunião começou logo em seguida e eu fiquei sem saber da história do icônico Raimundinho.
Olha uma coisa aqui e outra acolá, conversa com um e com outro, visita o parque industrial da empresa e coisas do gênero e o dia foi embora, mas eu não consegui esquecer da história do Raimundinho.
Não sei bem por que, mas aquela curiosidade estava “me matando” e, antes de ir embora, fiz questão de procurar o Mário, dizendo-lhe:
— Se eu for embora sem conhecer essa história, vou ficar com isso “engasgado” por um bom tempo.
Ele riu para valer e fomos tomar uma cerveja e, entre um gole e outro, ele me contou:
A história que o Raimundinho conta por aí e que eu não posso atestar como verdadeira é que, lá pela década de 1950, no recôncavo baiano, ainda tinha vários engenhos de açúcar e eles pagavam mensalmente os fornecedores e empregados, em dinheiro vivo.
Apesar dos perigos, nos dias de pagamentos, eles transportavam o dinheiro através dos rios e das precárias estradas da Região. Foi então que aquela preciosa carga foi roubada por bandidos que tentaram fugir com um velho hidroavião, mas o avião caiu perto do vilarejo de Maracangalha, matando todos os tripulantes e espalhando dinheiro por toda a redondeza. Fatalmente, a carga, de aproximadamente 4,5 milhão, foi quase totalmente saqueada, por quase todos que estavam por perto.
O fato se espalhou rapidamente e o local virou um inferno. Bandidos, aventureiros, policiais corruptos e todo tipo de gente, foram atrás do dinheiro saqueado. E aí, não faltaram as invasões de residências, pessoas morrendo por motivo fútil, alguns fugindo rapidamente, outros sofrendo agressões gratuitas, além de outras atrocidades. Por quase um ano o local virou uma terra sem lei, um “salve-se quem puder”.
É aí que o Raimundinho entra na história: segundo ele próprio, o “seu” Raimundo, que era seu pai e funcionário do Engenho Cinco Rios, também era do tipo “cabra macho” que não fugia de briga. Raimundinho conta com orgulho que o seu pai colocou o revólver na cintura e profetizou:
— Se algum “fio de uma égua” tentar invadir a minha casa, não vai sair de lá vivo!
E aconteceu! Na calada da noite, quatro homens tentaram invadir a casa e o ‘seu” Raimundo matou três deles e o quarto, para não ser morto, se entregou. Só então é que foi descoberto que se tratava de policiais à paisana (sem uniformes).
Porque os policiais estavam sem uniformes, nunca foi explicado, tampouco porque tentaram invadir a casa durante a noite, mas o “seu” Raimundo acabou preso e nunca mais foi visto com vida (dizem que foi morto ao tentar fugir).
A família de Raimundinho ficou sem pai e sem arrimo financeiro e o menino foi procurar ajuda com os administradores do Engenho.
Inicialmente foi ignorado, mas a história chegou aos ouvidos do dono do engenho que determinou a contratação do menino com o mesmo salário do pai e ele lá permaneceu até o encerramento das atividades do engenho, acontecido por volta de 1987.
É isso aí.
Que a paz esteja com todos.
Darci Men