A Mulher dos Meus Sonhos

I – Eva Maria

Plagiando o célebre francês Blaise Pascal, autor da famosa frase:

“O coração tem razões que a própria razão desconhece”,

Eu digo:

“O cérebro tem mistérios que o próprio cérebro desconhece”.

É o que o que pretendo mostrar-lhes nessa história:

Certa noite há muitos anos atrás, eu acordei com minha mulher me sacudindo:

— Pai, – há muito tempo ela costuma me chamar assim – acorda, você está tendo um pesadelo.

Eu estava cansado, suado e com a mão direita machucada, que doía bastante. Ela continuou:

— Veja só o que você fez:

— Andou brigando durante o sono, está ficando perigoso dormir com você, já pensou se você me acerta?

Olhei para o lado e o abajur estava em um canto estraçalhado e o criado-mudo com as pernas para cima. Sentei na cama meio “abobalhado”, enquanto a Angélica, minha esposa, providenciava um copo com água e antisséptico para o ferimento da mão.

Não sabia bem o que tinha acontecido e fiquei tentando entender tudo aquilo. Ela não parava com as perguntas:

— O que aconteceu? Com quem estava brigando? Você não é de ter pesadelos, muito menos de brigar, por que isso agora?

Tentei buscar no meu subconsciente alguma lembrança e respondi:

— Não sei, meu bem, não lembro direito; parece que eu estava defendendo uma mulher, com o nome de Maria Eva ou Eva Maria. Está meio nebuloso, mas parece que essa mulher é rica e mora numa bela mansão e é de origem castelhana, você conhece alguém com essas características?

Ela pensou um pouco e respondeu negativamente. Vi em seu rosto um pontinho de ciúme e tratei de acalmá-la:

— Não é o que você está pensando, estou mais perdido que você e não tenho a mínima ideia de quem se trata.

II – Buenos Aires

Naquele dia fui trabalhar com isso na cabeça e acabei comentando com alguém. Foi o suficiente e logo começaram as perguntas:

— O que houve com a mão? – Disse um.

— Você está estranho hoje! – Afirmou outro, e assim por diante.

Contei-lhes minha “aventura” daquela noite e, como era costume nessas ocasiões, começaram as gozações:

“Ah, já sei! Arrumou um ‘caso’ e agora está com dor na consciência!”.

Logo outro emendou: “vai ver estava brigando com o namorado dela!”.

Um outro chegou a dizer: “acho que você brigou com a tua mulher e inventou essa história.”.

Eles “levaram” tudo na brincadeira e não adiantou eu insistir que a coisa era séria e que eu estava abalado com aqueles acontecimentos.

Apenas um dos meus amigos, percebendo a gravidade da situação, se interessou e quis saber mais detalhes.

Contei-lhe tudo que pude lembrar e ele ficou pensando e falando alto ao mesmo tempo:

— Hum! Maria Eva, mansão, castelhano… conte-me mais sobre ela?

Eu disse que não lembrava direito, mas que não era o meu “tipo”; pra começar era “mandona” e eu detesto pessoas assim, devia ter 30 anos ou mais, baixa, “magricela” e uma beleza mediana e não lembrava mais nada.

Fiquei curioso com o interesse dele e perguntei-lhe:

— Vai me dizer que a conhece? Ele pensou um pouco e respondeu:

— Não, mas vi em uma reportagem alguém que se “encaixa”. Vou ver se encontro a revista e trarei amanhã.

Naquela noite, a Angélica foi dormir preocupada e até brincou comigo:

— Acho que vou dormir de capacete! Sabe? Por precaução!

Mas nada aconteceu. Pelo menos nada que eu me lembre.

No dia seguinte, assim que cheguei ao serviço, o meu amigo veio com uma revista na mão, abriu-a e falou:

— Achei! – Disse ele, todo eufórico,  balançando uma revista na mão e mostrando-me uma foto que estava em uma página já marcada.

— É esta “a mulher dos seus sonhos”?

Assim que vi a foto “gelei” e a lembrança daquele sonho voltou totalmente, até coisas que então não lembrava agora “apareciam” nitidamente.

Na foto ela estava um pouco diferente, talvez com outro cabelo, não sei, mas aqueles olhos penetrantes e autoritários não deixavam dúvidas, era ela!

Olhei o título da reportagem e estava escrito:

“Evita, uma vida, uma lenda e um mito”.

Virei a página e a foto do interior de um palácio também me lembrou do sonho, era como se aquela foto adquirisse vida e eu por ali circulava. Embaixo da foto estava escrito: “Palácio de Unzué, residência presidencial”.

Li a reportagem de pouco mais de três páginas, que contava, resumidamente, a vida “atribulada” daquela mulher, desde sua infância pobre de filha bastarda até depois da sua morte, quando, depois de mumificada e muito “vaivém”, foi enterrada definitivamente, em Buenos Aires.

Meu amigo, que até então permanecera calado, indagou:

— E aí? fala logo cara! É ela?

Eu respondi como se estivesse falando comigo mesmo:

— Sim, é ela mesma! Mas como essa mulher foi parar no meu sonho?

Ele balançou os ombros, abriu os braços e respondeu:

— Se você mesmo não sabe; como eu vou saber?!

Eu continuei falando com ele como se estivesse falando comigo:

— Aqui diz que ela morreu cinco meses antes de eu nascer, viveu e morreu em um país onde eu nunca estive e que praticamente não conheço nada, só ouvi falar dela vagamente e nem conhecia seu rosto, como posso sonhar com ela? E pior ainda: brigar por ela?!

Ele começou a rir e falou:

— Sei lá! Pode ficar com a revista.

Eu pensei um pouco, olhei para ele que continuava com um sorrisinho maroto e aquele sorrisinho me alertou para algo. Então eu pensei: estou fazendo um papel ridículo nessa história e se eu conheço bem esses caras, vão me ‘crucificar”.

Foi aí que eu falei para meu amigo:

— Não! Melhor esquecer tudo isso, tome sua revista.

Não “deu outra”, a novidade se espalhou e tive que aguentar as gozações dos meus colegas por um bom tempo, coisas do tipo:

— Bom dia, Darci, tudo bem? E a Evita como vai?

Outro mais “radical” falou:

— E aí? Já conseguiu alguma coisa com a Evita ou não passou das “preliminares”?

E tantas outras piadinhas do tipo.

Quando contei para a Angélica a minha descoberta ela comentou:

— Deve ser uma reencarnação ou coisa do gênero.

Este comentário me deixou mais preocupado ainda, principalmente porque não acredito nisso e acho que tudo neste mundo tem uma explicação lógica, nós é que, muitas vezes, não sabemos qual é.

Mas, para sorte minha, não sei, o tempo passou, os sonhos não voltaram e o assunto foi caindo no esquecimento, isto é, não voltaram por um tempo!

Mais de um ano depois, voltei a sonhar com ela, e tais sonhos começaram a se repetir com certa frequência. Sempre aquelas conversas em castelhano, aquele ambiente refinado e ela sempre era o centro de tudo.

Quem era eu nestes sonhos? Bem, eu era um amigo muito próximo dela ou um colaborador de confiança, não sei, nunca consegui descobrir com precisão.

Minha esposa conta que eu ficava falando durante o sono, falando não, “balbuciando” em idioma castelhano.

A parte “chata” disso tudo é que nunca conseguia lembrar direito, apenas partes de uma conversa aqui e ali, um lugar ou pessoa diferente que nunca fazia sentido, mas uma coisa eu tinha certeza: tudo se relacionava a ela.

Num desses sonhos ela deu-me um presente. Era um livro mediano, mais ou menos 25x20x2 centímetros, com capa dura e uma ilustração na capa de um campo com cavalos, em tons dourado e preto.

Não lembro do título, do autor, nem do tema, mas lembro-me bem que ela “determinou” que eu o lesse e depois informasse o meu parecer. O estranho aqui é que no sonho seguinte ela me “cobrou” se eu tinha lido o livro e essas cobranças se repetiram várias vezes.

Eu, que até então, e não sem motivos, só falava desses novos sonhos para a Angélica ou para pessoas muito próximas, comentei com ela:

— Tenho que encontrar esse livro ou essa mulher não me deixa sossegado!

III – Evita

Virei um assíduo frequentador de livrarias, sempre a procura de publicações argentinas das décadas de 1930, 1940 e 1950, embora não soubesse seu título e autor, nem de que assunto se tratava, se o visse, eu o reconheceria, pois sua capa estava nítida em minha memória. Mas, infelizmente, nunca encontrei tal livro.

Nesse período, eu lia tudo que encontrava sobre ela e olha que existem “dezenas” de publicações a respeito e ainda tenho alguns livros que comprei ou ganhei de presente, entre eles eu destaco: Evita, imagens de uma paixão, que é uma publicação biográfica lindíssima, com imagens compiladas por Fernando Diogo Garcia, Alejandro Labade e Enrique Carlos Válques; tenho também um romance: Santa Evita, do escritor e jornalista Tomás Eloy Martínez; entre outros.

Bem, não sei por que, mas há vários anos que ela não me “visita” e ficou a pergunta: o que é tudo isso? E eu candidamente lhe responderei: sei lá! Dezenas de “entendidos” tentaram me explicar, mas ninguém conseguiu me dar uma explicação convincente.

Mas, afinal, quem foi “a mulher dos meus sonhos”?

Sua história é tão intrigante e cheia de mistérios que fica difícil separar a realidade do mito, senão, vejamos:

Maria Eva Duarte de Perón, a “Evita” (7.5.1919-26.7.1952), nasceu como Maria Eva Ibarguren, filha bastarda e pobre em uma vila nos “confins” dos pampas argentinos.

Li um relato que afirmava: sua mãe, Juana Ibarguren, que era costureira, começou o relacionamento com seu pai, um rico estancieiro de nome Juan Duarte, em troca de um jumento e uma carroça. Tiveram seis filhos e, curiosamente, Maria Eva, foi a única que não foi reconhecida e registrada como sua filha.

Assim a retratou o escritor Tomás Eloy Martínez: em 1935 ela era nada ou menos que nada; um pardal ciscando migalhas, uma bala cuspida no chão, tão magrinha que até dava pena.

Ela mendigou de tudo: um café com leite, um cobertor, um cantinho na cama, uma foto na revista, uma mísera fala na radionovela. Teve frieira e piolhos e, por mais de um ano, suas únicas roupas eram duas ou três calcinhas, uma blusa de linho desbotado e uma saia de algodão”.

Há quem afirme que ela tornou-se modelo de fotos pornográficas, artista de rádio, teatro e cinema, além de ser amante de diversos homens.

Em 1944, casou-se com o então vice-presidente da Argentina, Ministro do Trabalho e da Guerra, Juan Domingo Perón e transformou-se na mulher mais poderosa da Argentina.

Os historiadores contam que o encontro deles não foi nada casual: em 1944, em uma cerimônia, ela aproveitou-se da saída de alguém que estava sentado ao lado de Perón, sentou-se em seu lugar e disse uma frase que mais tarde se tornaria célebre: coronel, obrigado por existir. (como já perceberam, acabou conquistando o homem).

Virou uma “lenda viva”, adorada pelo povo e detestada pela oligarquia argentina. Os historiadores contam que quando era a primeira-dama da Argentina ela cercou-se de uma rede de ministros, espiões e puxa-sacos que a mantinham a par de tudo o que acontecia no governo.

(será que eu já fui um deles?).

Houve até quem afirmasse que ela castrou direta ou indiretamente vários opositores. Os adversários eram torturados com choques elétricos nos genitais, que os deixavam impotentes. Também tem quem diga que outros opositores foram castrados mesmo e os seus testículos conservados em um recipiente de vidro que ficava exposto em sua escrivaninha de trabalho. Será verdade isso? Difícil de acreditar, mas, nunca se sabe!

Embora ela nunca tenha exercido nenhum cargo oficial no governo, tornou-se uma das mulheres mais poderosas da sua época, a ponto de ser recebida pelo Papa e por diversos países que visitou, com honras de chefe de Estado.

Outra lenda, ou verdade, não se sabe, diz alguns textos que quando ficou doente e impedida de cumprir seus deveres conjugais, ela nunca deixou de satisfazer seu marido. Ela usou meios alternativos e o ditador nunca se havia beneficiado de um sexo tão sábio. Hum…

Morreu com 33 anos, de câncer uterino, foi embalsamada de forma tão perfeita que tinha a aparência normal, de alguém dormindo e não de uma morta. Posteriormente foi colocada em uma redoma de vidro e seu velório durou 14 dias, com a participação de milhões de pessoas.

Seu corpo ficou exposto à visitação pública até 1955, quando um golpe militar derrubou Perón e seu cadáver tornou-se um fardo pesado demais para qualquer novo regime.

Assim, teve início uma das mais insólitas peregrinações de um cadáver, que se tem notícia.

Sequestrado pelo Serviço Secreto de Inteligência do Exército, o cadáver vagou semanas de um lugar para outro até estacionar durante meses nos fundos de um cinema, prestou-se a todo tipo de paixões por um capitão desmiolado até reaparecer, 16 anos mais tarde, num cemitério, em Milão, na Itália.

Em 1971 seu corpo foi exumado, transladado para Madri, na Espanha, e entregue ao ex-presidente Perón, que ali se encontrava exilado.

Em 1973 Perón voltou à Argentina e foi reeleito presidente, tendo a terceira mulher, Isabelita Perón, como vice.

Em 1974 Perón morreu e Isabelita, por questões políticas,  trouxe o corpo de Evita para a Argentina, onde, novamente permaneceu exposto à visitação pública e só então foi enterrada no mausoléu da família Duarte, no cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde permanece até os dias atuais.

Mais tarde ela seria “eternizada” na ópera rock Evita, de Andrew Lloyde Webber e Tin Rice, ou no cinema em Evita, protagonizada pela pop star Madonna, além de tantas outras obras.

Quem não conhece: Não Chores por Mim, Argentina….

Bem, essa é a história da “mulher dos meus sonhos”.

Que a paz esteja com todos.

Darci Men

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8 comentários em “A Mulher dos Meus Sonhos”

  1. Muito bom!!!
    A história realmente é de tirar o folego, comecei a ler e não queria mais parar.
    Vc deveria escrever um livro sobre, isso iria comprar sem duvidas.

    Sucesso

    Responder
  2. Bom dia,
    Parabens um excelente texto !!! e uma historia intrigante.
    Ainda sei muito pouco sobre espiritismo e aprendo algo novo a cada dia, mas na minha opinião vc sonhar com Evita te contando historias intimas e acontecimentos de sua vida, vc pode ser a encarnação e Evita.
    É apenas um curto tempo entre a morte de Evita e o seu nascimento mas é possivél.

    Sugiro uma regreção, assim não haverá mais dividas.
    Háa, quando fizer me conte. rs

    Abraços.

    Responder
  3.  Quem o conhece sabe que ele é praticamente um Ateu, somente Evita Peron o faria reconhecer tal acontecimento!

    Excelente texto estava aguardando essa publicação!

    Parabéns !!

    Responder
  4. Pingback: www.digga.com.br

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