No Forte dos Três Reis Magos, o vigia era conhecido por sua altura e seu silêncio. Sua rotina era um ritual de precisão: acordava, vestia-se, penteava os cabelos e caminhava até a cozinha, onde o cuscuz quente o aguardava. Com a marmita preparada por sua esposa, ele seguia para o forte.
Na guarita, ele observava o mar incansavelmente, os pés firmes e o cajado a seu lado. Ninguém sabia o que se passava em sua mente enquanto ele vigiava. Alguns diziam que ele via coisas – fantasmas, navios fantasmas, presságios. Outros achavam que ele via apenas o mar, vasto e imutável.
A maioria dos dias era dominada pelo sol inclemente, que queimava sem piedade. O vigia, no entanto, se mantinha firme. Ele alternava cuidadosamente entre os três apoios: o dedinho do pé esquerdo, o lado direto do calcanhar do pé direito e as mão no cajado, garantindo que seu corpo não se cansasse jamais. Ele evitava encostar nas paredes, para não ficar mal acostumado. Essa disciplina lhe permitia continuar em pé, dia após dia, sem falhar.
De tempos em tempos, ele avistava golfinhos saltando nas águas, trazendo um raro momento de alegria à sua solitária vigilância. As gaivotas eram suas companheiras constantes, voando ao redor da guarita e soltando seus gritos estridentes. Mas as nuvens, com suas formas mutáveis, não lhe interessavam. Ele se lembrava das histórias de pessoas que viam deuses e monstros nelas, uma senhora relatou certa vez durante uma galinhada que havia visto Lampião, mas para ele, elas não passavam de vapor.
Os dias de chuva eram poucos e espaçados ao longo dos anos que ele passou na guarita. O mais intenso de todos foi o dia do maremoto. A tempestade se formou no horizonte, trazendo consigo ventos ferozes e ondas gigantescas. Ele nunca tinha visto o mar tão violento. Naquele dia, o vigia sentiu pela primeira vez uma pontada de medo, mas não abandonou seu posto.
Certo dia ele foi encontrado morto, ainda em sua posição de vigia, mas caido, deitado, duro. Seus olhos estavam abertos, fixos no céu, no rosto um sorriso.
Seus colegas de trabalho ficaram atordoados. Aqueles que acreditavam em presságios e lendas começaram a sussurrar que o vigia havia finalmente visto algo nas nuvens – algo que o levou a outro mundo.
O mistério de sua morte deixou todos perplexos. O que ele teria visto antes de morrer? As respostas se perderam no silêncio que sempre o acompanhou.
E o mar continuava a bater contra as paredes do forte, as gaivotas continuavam a voar sob o sol a brilhar, implacável, sobre a guarita agora vazia.
Livros do autor na Amazon: Diogo de Lima