Brasil & Cabo Verde: Irmãos de Almas Agrestes

TRAIÇÃO DO TEMPO – DINA SALÚSTIO

SÃO BERNARDO – GRACILIANO RAMOS

Brasil e a África possuem muitos aspectos em comum, principalmente com os países africanos colonizados por Portugal e que têm, também, a Língua Portuguesa como língua oficial.

No entanto, as semelhanças não se restringem à língua ou aos costumes que herdamos dos escravos africanos que para cá vieram, as semelhanças são também os problemas sociais como a fome, a pobreza, o analfabetismo e tantos outros que estamos já acostumados a ver noticiados em jornais ou na televisão.

Destacamos aqui uma destas semelhanças: a seca que assola tanto o nordeste brasileiro como as ilhas africanas de Cabo Verde.

No Brasil, a seca, como um dos grandes problemas do país, sempre foi tema de escritores que, preocupados com sua função social, fizeram da miséria causada pela seca, tema de seus contos e romances.

Como uma das semelhanças entre países, a seca em Cabo Verde também é assunto constante na literatura do país.

Muitos autores procuraram mostrar em suas obras os efeitos da seca em seus aspectos físicos e práticos no ambiente, tornando subtemas de seus escritos a caatinga, o gado magro, os rios secos, o homem animalizado em suas atitudes pela fome etc.

Almas agrestes

Entretanto a crônica Traição do tempo da escritora de Cabo Verde Dina Salústio e o romance São Bernardo do brasileiro Graciliano Ramos parecem enfatizar que os efeitos da seca não são sentidos apenas no corpo ou na paisagem, mas também na alma e no humor das pessoas que convivem com ela.

Dina Salústio descreve na sua crônica Traição do tempo como o humor do habitante das ilhas de Cabo Verde parecem estar extremamente ligado com a seca, ou melhor, com a falta da chuva.

A autora conta como o crioulo espera pela chuva olhando para o céu que aparece sempre límpido e sem nuvens e de como essa esperança que não se concretiza vai tornando o crioulo um ser amargo.

Em São Bernardo, Graciliano Ramos conta a história de Paulo Honório e de sua fazenda que dá nome ao romance. A narrativa é feita pelo personagem principal que conta como aquela terra seca tornou-lhe também a alma seca.

Graciliano Ramos demonstra que o ambiente influencia no caráter e na personalidade do indivíduo.

Num dos trechos de São Bernardo em que Graciliano Ramos está apresentando o personagem, este declara sobre si “a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste” e Dina Salústio termina sua crônica com esta frase: “Depois, recuso acordar, temendo enfrentar a cidade seca, as gentes secas, os amores secos.”

Os dois autores demonstram como a seca influencia não apenas os aspectos econômicos e sociais de um país, mas também os humores e as esperanças das pessoas que habitam nele.

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